Fazendo sucesso em sua própria série de TV e com 50
anos de histórias publicadas, ainda
assim, o Demolidor está longe de ser o personagem mais
famoso da editora Marvel Comics. Ainda assim, o
personagem Matt Murdock já rendeu algumas
das melhores histórias em quadrinhos já publicadas em
todos os tempos. Com a ambientação sombria e suspense tenso, a vida de
Murdock já foi virada de cabeça para baixo diversas vezes, fazendo do homem sem
medo um dos caras que mais apanhou da vida nas HQs, o que rende grande diversão
e prazer ao leitor.
Apesar da qualidade de suas histórias, o
Demolidor ainda é majoritariamente pouco lido por aqueles que não são fãs de
quadrinhos. Portanto, se quer saber mais sobre a trajetória do demônio atrevido
da Marvel, siga em frente e conheça a trajetória editorial do personagem.
O sucesso demora, mas quando vem…
Muitas vezes, personagens fictícios estreiam com sucesso ou o alcançam
em pouco tempo, fazendo com que suas aventuras mais antigas sejam mais
clássicas. Este, definitivamente, não é o caso do Demolidor. O personagem
surgiu na aurora da Marvel, em 1964, masdemorou mais de uma década e meia para encontrar
sua real identidade. Foi somente quando o escritor e desenhista Frank Millerassumiu a revista do homem sem medo em1981 que Matt Murdock encontrou sua vocação maior
como personagem. A partir daí, se tornou um personagem denso, sombrio e
protagonista de histórias sensacionais.
Por isso, muitas das clássicas aventuras do
personagem advêm dos anos 1980 e 90. Mas tal classificação nem é justa, já que
o Demolidor teve histórias simplesmente excepcionais nos anos 2000 e continua
hoje em uma ótima fase nas mãos do escritor Mark Waid.
Vamos entender essa história toda.
Em meio à festa…
A capa de Daredevil 01, por Jack Kirby.
O Demolidor estreou em umarevista própria em 1964, numa
história assinada por Stan Lee e Bill Everett. O
personagem, assim, nasceu em meio ao boom inicial da Marvel Comics, na
construção de seu universo ficcional. Embora tecnicamente existisse desde 1939
– sob os nomes Timely Comics primeiro e depois Atlas Comics – a Marvel só se
“encontrou” de verdade com o lançamento doQuarteto Fantástico em
1961. A partir daí, o escritor Stan Lee começou a construir – juntamente aos
desenhistas Jack Kirby, Don Heck, Steve Ditko e
outros – um universo de novos personagens bastante diferentes da concorrente DC
Comics (que publicava Superman, Batman, Mulher-Maravilha etc.).
Entre 1961 e 1963, Lee e seus
colaboradores criaram uma impressionante quantidade de bons personagens, como Homem-Aranha, Thor, Hulk, Dr. Estranho, Homem de Ferro, os
Vingadores e os X-Men. Levando isso em consideração, o
Demolidor chega até tarde, em 1964. Mas o fluxo ainda continuaria: os Inumanos,
Pantera Negra, Surfista Prateado, ainda
chegariam nos anos seguintes.
Os Vingadores de Stan Lee e Jack Kirby: criando o Universo Marvel.
O posicionamento cronológico do Demolidor ainda levanta uma questão curiosa: na época, a Marvel ainda se
reerguia de uma grave crise vivenciada na
década anterior. Assim, não possuía mais uma distribuidora de
revistas, de modo que este serviço era realizado, de modo irônico, pela DC
Comics. Por isso, a DC impunha um limite de oito revistas mensais de
super-heróis à Marvel. Stan Lee – que também era o Editor-Chefe da Marvel, além de seu principal
escritor – criou uma estratégia para burlar a regra mantendo 16 revistas bimestrais nas bancas, mas ainda
assim, era um número bem limitado.
Por isso, é curioso que o Demolidor tenha estreado em uma revista própria. Veja: o Homem-Aranha surgiu numa aventura na revista Amazing Fantasy 15, em 1962, revista que foi cancelada
para dar lugar a outra. Quando a Marvel percebeu que aquela aventura era
um sucesso imenso de vendas decidiu dar uma revista própria para o personagem.
Mas para isso, precisava sacrificar outra revista e manter o limite imposto
pela DC. Assim, sobrou para oHulk, cuja The Incredible Hulk não vinha vendendo tão bem. O
gigante verde ficou sem ser publicado por um tempo e, depois, terminou alocado
como uma das histórias publicadas emTales to Astonish, enquanto
estreava a nova The Amazing Spider-Man no lugar daquela.
Então, porque um personagem novo como o Demolidor estreava em uma
revista própria em um cenário desses? É uma questão sem resposta. Porque não
dar uma revista própria para oHomem de Ferro (que
era publicado em Tales of Suspense) ou devolver um
número ao Hulk? Talvez, fosse uma aposta de
Stan Lee nesse novo e incomum personagem. Mas quem sabe?
Origem Duvidosa
O Demolidor na arte de Bill Everett.
A criação do Demolidor ainda é permeada poruma série de curiosidades ou
mistérios. A começar pelo visual do
personagem. Até hoje não está claro quem criou a primeira versão do personagem,
em seuuniforme amarelo.Apesar de Bill Everettganhar o crédito de cocriador – porque
desenha Daredevil 01 – muitas fontes afirmam que quem
criou o visual foi Jack Kirby. É
fato que Kirby desenhou a capa deDaredevil 01, pois era o principal capista da
editora. E muitas vezes, as capas eram feitas antes mesmo das histórias e
serviam de base para o desenhista do interior do número.
Além disso, muitas fontes também dizem que Bill Everett sequer chegou a terminar os desenhos de Daredevil 01 e que Steve
Ditko (que desenhava as histórias do Homem-Aranha, Dr. Estranho
e do Homem de Ferro) foi quem finalizou a revista, dando um trato no visual na
história inteira.
Bill Everett, o primeiro artista.
Então, porque Bill Everettganhou os créditos? Segundo
muitos, foi uma puracortesia de Stan Lee. É fato
que Everett foi um desenhista célebre no passado – ele criou Namor, o Príncipe Submarino, em 1939, que foi um
dos maiores sucessos dos anos iniciais da Marvel – e, nos anos 1960, sofria de alcoolismo. Talvez, o crédito fosse uma maneira de
dar algum orgulho e incentivo a Everett, um tipo de atitude típica de Lee.
Também é fato que, em 1964, Everett trabalhava na Eton Paper
Corporation, em Massachussets, em umemprego de período integral, por
isso, não tinha como manter uma revista mensal. De qualquer modo, Everett
voltou a colaborar com a Marvel dois anos depois, desenhando
de modo ocasional aventuras dos Vingadores, X-Men, Dr. Estranho
e Hulk. Em 1968, ele
voltou à ativa de modo mais contínuo retornando a sua maior criação: Namor,
quando este ganhou uma revista própria com roteiros do próprio Lee e outros
ajudantes. Por fim, Everett terminaria se restabelecendo na
carreira, assumindo a revista Namor, the submariner, entre
os números 50 e 61, a partir de 1972, fazendo
desenhos e roteiros, embora tenha falecido de
forma precoce em 1973.
Um herói incomum
O acidente de Murdock por Lee e Everett.
Stan Lee gostava de criar personagens singulares. E
o Demolidor não seria diferente. O escritor imprimia personalidades fortes em
seus personagens e os dotava de limites e fraquezas, além de lhes dar profissões e vidas pessoais bem definidas, de
forma totalmente diferente dos heróis da concorrente DC Comics. O Homem de Ferro era um empresário mulherengo e com
falhas de caráter; o Homem-Aranha era um
adolescente problemático, sem dinheiro, nerd, sem sorte com as garotas e que
tinha que cuidar de uma tia idosa e doente, conciliando os estudos com um
trabalho de fotógrafo free-lancer; Thor passava
seu tempo na Terra como um médico manco de uma das pernas; o Tocha Humana era um adolescente egocêntrico, rico
e deslumbrado etc.
Assim, o Demolidor era Matt Murdock, um advogado que ficou cego em
um acidente quando adolescente, ao salvar um velhinho de ser atropelado por um
caminhão desgovernado, terminou sendo atingido pela carga radioativa do veículo
e ficou cego. Em compensação, a radiação fez seus outros sentidos se ampliarem a níveis sobre-humanos.
Podia saber se as pessoas estavam mentindo ou não porque ouvia as batidas do
coração das pessoas (e também identificá-las pelas batidas); podia determinar a
cor de um objeto sentido a emissão de calor das tintas ao tocá-los com as mãos.
E o melhor: era dotado de um tipo de radar sônico que
lhe dava a localização dos objetos ao seu redor e o permitia ser extremamente
ágil.
Mesmo com todos esses poderes sensoriais, o Demolidor não tinha nenhuma capacidade sobre-humana em termos físicos. Ou
seja, era um homem comum extremamente bem treinado e
que usava seus sentidos como vantagem adicional. Mas ainda assim tinha a limitação de ser cego e não poder ver o
mundo e as pessoas.
O fato de Murdock ser um advogado e trabalhar numa firma em parceria com
o sócioFranklin “Foggy” Nelson e isso servir à história
também era interessante. E como não podia faltar drama, existia a secretária Karen Page, disputada pelos dois sócios. Mas Matt
sentia que ela merecia mais do que um cego e tentava empurrá-la para os braços
do amigo.
Filho de Lutador
Mesmo com esses elementos interessantes enquanto personagem, a origem do Demolidor apresentada em Daredevil 01 era bem banal:
Murdock se torna um vigilante uniformizado depois que seu pai, um velho boxeador, é assassinado. O motivo do
crime é que Jack “Batalhador” Murdock se
negou a entregar a luta por propina relacionada às apostas. Vestido como o
Demolidor, Murdock encurrala os criminosos, mas o mandante do crime sofre um ataque cardíaco e morre antes de ir à Justiça.
Início Difícil
O homem-Aranha de Stan Lee e Steve Ditko era uma grande influência.
Diferente do Homem-Aranha, que
emplacou de cara uma série de histórias clássicas, o Demolidor não teve tanta “sorte” no início. Na verdade,
parecia que Stan Lee não tinha muito tempo para escrevê-lo (estava ocupado
fazendo o Homem-Aranha, Thor, Homem de Ferro, Hulk, Vingadores, X-Men, Quarteto
Fantástico, Dr. Estranho, Nick Fury etc.) e não conseguiu desenvolver bem um universo próprio para o personagem. Assim,
muito da ambientaçãodo Demolidor nos primeiros anos devia ao
escalador de paredes: o homem sem medo muitas vezes lutava contra os vilões
surgidos nas aventuras do cabeça de teia. E o fato de Murdock andar por aí se balançando entre prédios – usando uma corda e
arpel fixados em seus bastões (que
viravam a bengala de Murdock para disfarçar) – também não ajudava. A personalidade de Murdock como alguém sério, carrancudo e tímido que terminava se
sacrificando o tempo inteiro pelos outros, mas sofria internamente por isso,
também ecoava diretamente à personalidade de Peter Parker.
O Demoldior, Karen Page e o Coruja na arte de Joe Orlando.
A falta de direcionamento também se refletia na
dificuldade da revista Daredevil ter uma equipe fixa de colaboradores. Apesar de Lee manter
os créditos de escrita, vários desenhistas se
alternaram na revista em seus primeiros anos. Se por um lado, isso permitiu ao
personagem passar pela mão de vários grandes nomes, por outro, não criou uma marca consolidada como os outros heróis da
editora. Stan Lee e Jack Kirby produziriam 102 edições do
Quarteto Fantástico; Lee e Steve Ditko assinaram as primeiras 39 edições de Amazing Spider-Man;assim
por diante.
Nada mais diferente do
que Daredevil: literalmente dezenas de escritores e desenhistas trabalharam na
revista entre 1984 e 1979. Como já dito, a
dupla Stan Lee e Bill Everettproduziu apenas Daredevil 01. Na edição 02, os
desenhos foram assumidos por Joe Orlandoe, como
para reforçar seus laços como o Homem-Aranha, este número o Demolidor enfrenta
um dos vilões daquele: Electro. O
primeiro vilão próprio do homem sem medo surgiu nonúmero 03, o Coruja. A edição 04 traz
a estreia de Killgrave, o Homem-Púrpura, um
vilão que teria importância para outros personagens da Marvel, como Jessica
Jones no futuro distante.
Capa de Wally Wood já muda o símbolo do peito do herói para dois Ds.
Quando parecia que a revista Daredevil tinha
ganho um desenhista fixo, Orlando já é substituído a
partir do número 05, quandoWally Wood chega à revista. Wood era um dos mais
célebres artistas advindos da E.C. Comics, editora que se notabilizou pelas
revistas violentas e de terror nos anos 1950.
De cara, Wood já cria uma pequenamodificação visual no
personagem, trocando o simples D do peito por um duplo D, que viraria, a partir dali, a marca
visual do herói.
Capa de Daredevil 07 traz a estreia do novo (e definitivo) uniforme do
herói.
Além disso, Wally Wood parecia mesmo insatisfeito com o visual do
Demolidor – que convenhamos era ruim mesmo – e, por isso, propôs um novo visual, aceito por Stan Lee e que estreou
em Daredevil 07, de 1965:um uniforme inteiramente vermelho-escuro, que dava um visual mais sombrio
e moderno. Este uniforme se tornou o padrão do herói a partir dali.
Uma curiosidade da edição 07 é que Namorera a mais famosa criação de Bill Everett.
Além das mudanças visuais, a pequena temporada de Lee e Wood produziu
alguns vilões importantes ao cânone do personagem, como o Sr. Medo(edição 06), o Stiltman (edição
08) e os Homens-Animais (edição 10).
Daredevil 11 fechou um
pequeno arco iniciado na edição anterior, na qual Foggy Nelson é eleito Promotor Público de Nova York, o que faz Matt
Murdock desistir de seu amor por Karen Page e deixá-la livre para se envolver
com seu sócio. A revista, contudo, já teve esta edição desenhada por outro
artista: Bob Powell. Este na verdade foi só um tapa buraco
até Stan Lee encontrar um substituto, que veio na figura do lendário John Romita.
Pequena Estabilidade
Auto retrato de John Romita: um dos maiores nomes da Marvel.
John Romita é um dos nomes mais importantes da história da Marvel!
Famoso por sua temporada noHomem-Aranha (entre
1966 e 1973), o artista também colaborou com outras revistas, como Capitão América, Hulk e Vingadores, e se tornou o Diretor de Arte da Marvel em 1972, a partir do
qual assumiu a responsabilidade de dar um caráter próprio ao visual da editora.
Por isso, ao longo dos anos 1970 seria o principal capista da
Marvel (ao lado de Gil Kane e John Buscema) e criaria o visual de dezenas de
personagens, inclusive do Justiceiro e de Wolverine.
Mas toda a sua história com a Marvel começa ali no ano de 1965 e seu envolvimento com o Demolidor.
Edição de estreia de John Romita traz arte de Jack Kirby.
Na verdade, Romita já tinha trabalhado
na Marvel no início dos anos 1950 e
tinha feito uma parceria com Stan Lee entre 1953 e 1954 numa tentativa
frustrada de trazer o Capitão América de
volta às bancas (depois do personagem ter sido cancelado quatro anos antes).
Com a crise do mercado de quadrinhos de super-heróis dos anos 1960, Romita
terminou na DC Comics desenhando histórias de romance, por onde ficou por 10 anos!
Capa de Daredevil 16 por John Romita.
Frustrado e cansado daquilo, Romita decidiu se aposentar dos quadrinhos (aos 35 anos!). [É
incrível que a DC não tenha aproveitado o imenso talento dele para usar em sua
linha de super-heróis!] Ao saber disso, Stan Lee convidou Romita para trabalhar na Marvel, mas o
desenhista só aceitou na condição de fazer apenas arte-final (ou
seja, cobrir com nanquim os desenhos do artista principal) e não mais desenhar.
Lee aceitou e colocou Romita para fazer a arte final de algumas edições da
revista dos Vingadores. Mas claro que Lee
queria Romita desenhando e o testou no
Demolidor: mostrou a arte de um desenhista para a revista e pediu conselhos de
Romita. No fim das contas, Romita terminouassumindo a
revista Daredevil a partir da edição 12, de 1965.
Com Romita ainda inseguro de retomar o trabalho com os super-heróis, Daredevil 12 e 13 tiveram os layoutscriados por Jack Kirby(ou seja,
ele definiu angulações e posicionamento dos quadros), enquanto Romita fez as
ilustrações em cima deles. O arco de histórias mostrado emDaredevil 12 a 14explorava as origens do personagem Ka-Zar, um tipo de versão do Tarzan da Marvel, que
tinha aparecido em X-Men 10.
Outro encontro especial ocorreu em Daredevil 16, de 1966, na qual o
Demolidor encontra oHomem-Aranha. Na verdade, era
a segunda vez que os personagens se encontravam, pois a primeira tinha sido em Amazing Spider-Man 14, de 1964.
John Romita expõe seu talento para fisionomias comuns: J.J. Jameson,
Peter Parker e Matt Murdock.
Outro vilão importante da galeria do
Demolidor surgiu na edição 18: o Gladiador. Além de Lee e Romita, esta edição
também foi cooescrita por Dennis O’Neil, um
jovem escritor que estava iniciando a carreira e, logo mais, se tornaria um dos
mais importantes da concorrente DC Comics (escrevendo Batman, Superman e Liga
da Justiça). Bem mais tarde, O’Neil também teria um envolvimento mais profundo
com homem sem medo.
O Gladiador.
Romita encerra sua passagem na
revista naedição 19, de 1966, pulando para Amazing Spider-Man do Homem-Aranha, onde faria sua fama. Vendo em retrospecto, fica parecendo que Stan
Lee planejou tudo e usou a revistaDaredevil como um “treino” para Romita
assumir o aracnídeo (até o fez aparecer na revista!), o que não é impossível,
tendo em vista as grandes discordâncias que o escritor vinha tendo com o
artista Steve Ditko que fazia o cabeça de teia. Ditko foi substituído por
Romita em Amazing Spider-Man 39.
Romita continuaria envolvido com o
Demolidor fazendo muitas capas para suas
revistas nos anos seguintes. E, como o leitor irá perceber em breve, o filho dele, John Romita Jr., também seria um
importantíssimo ilustrador do homem sem medo.
A chegada de Gene Colan
A dinâmica arte de Gene Colan.
Após 19 edições ilustradas por seis artistasdiferentes,
a revista Daredevil finalmente encontrou
um desenhista fixo: o número 20,de 1966,
traz a estreia de Gene Colan,que se tornaria um dos mais importantes ilustradores do personagem,
responsável pela arte deDaredevil até a edição 100, de 1973 (com a mera exceção de três
números). Colan é um dos grandes artistas da história da Marvel – leia
um post sobre ele aqui – e o Demolidor foi seu personagem “de
assinatura”.
Assim como Romita, Colan tinha um grande talento para criar figuras em ação e desenvolveu isso à maestria no
Demolidor, explorando diversos ângulos inusitados em
seus quadrinhos e dando ainda mais agilidade ao homem sem medo. Menos musculoso do que as versões de Romita e
Kirby, o Demolidor de Colan é magro e esguio, ágil
como um atleta olímpico.
A fase com roteiros de Stan Lee e arte
de Gene Colan é bastante querida pelos fãs de
quadrinhos, porque permitiu umsenso de continuidade e
aprofundamento do universo próprio do Demolidor, lançando mão de ideias que,
por mais que fossem estranhas, marcaram época.
Mike Murdock na arte de Gene Colan.
Uma dessas ideias estranhas foi a criação do“irmão gêmeo”do
Demolidor:Mike Murdock.Na trama exibida em Daredevil 25, de 1967,surgem evidências fortes de que Matt Murdock é o
homem sem medo e, para impedir que Karen e Foggydescubram seu segredo, o
herói cria a identidade de Mike Murdock, fingindo ser o irmão gêmeo dele mesmo.
A intensão era fazê-los acreditar que Mike era o Demolidor, enquanto Matt não
podia sê-lo, afinal, era cego!
Murdock ainda imprimiu uma personalidade própria para
Mike, que era convencido, arrogante, expansivo, sempre
de óculos escuros (afinal, não podia deixar que vissem seus olhos sem visão),
numa postura bastante diferente do tímido e retraído Matt. O truque deu certo e
Mike virou um personagem constante por algum tempo. Inclusive, logo, Lee e
Colan começaram a explorar um problema de dupla (ou tripla?) identidade no
homem sem medo, com Matt se questionando quem ele era de verdade: Matt ou
Mike?, como ocorre em Daredevil 29.
O Demolidor na arte de Gene Colan.
Contra o Capitão América, numa capa de Jack Kirby.
De qualquer modo, o embuste se mostroumuito confuso para
os leitores, por isso, no arco mostrado em Daredevil 40 e 41, de1968, Matt finge a morte de Mike Murdock e dá a entender que
ele havia treinado um outro Demolidor para substituí-lo. O arranjo “Matt-Mike”,
contudo, não seria esquecidopelos leitores, nem pelos
escritores, voltando à tona diversas vezes para explorar a complicada
personalidade do herói.
Embora o Demolidor não fosse uma das principais ocupações de Stan Lee,
isso não o impedia de se orgulhar ou divertir fazendo a revista. Em mais de uma
entrevista, o escritor já afirmou que a história da qual mais sente
orgulho de ter escrito foi aquela publicada em Daredevil 47, de 1969, na qual Matt Murdock defende um cego
veterano de guerra que é falsamente acusado de um crime.
A Saída de Stan Lee
Capa de Barry
Windsor-Smith.
O criador Stan Lee se despede da revistaDaredevil na edição 50, de 1969, abrindo
espaço para Roy Thomas o substituí-lo. Na
época, a Marvel Comics crescia a
passos largos e começava a disputar em igualdade o mercado de quadrinhos com a
gigante DC Comics. Assim, as capacidades de Lee comoEditor-Chefe (cargo
que ocupava ininterruptamente desde 1946) eram cada vez mais exigidas. Além
disso, com as altas vendas, as antigas
revistas bimestrais se tornaram mensais a
partir de 1965 e, com o dinheiro
entrando, a Marvel comprou sua própria
distribuidora e ampliou seu leque de revistas em 1968, dando mais trabalho ao The Man para coordenar tudo. Assim, Leeabandonou a escrita de várias revistas, comoDaredevil, Hulk, Iron-Man, Avengers etc. e
permanecendo apenas com seus títulos preferidos: Fantastic Four, Amazing Spider-Man, The Mighty Thor e Captain
America.
O seu principal substituto foi Roy Thomas, um
jovem de 29 anos, em 1969, que ele vinha treinando há quatro anos sob sua
batuta. Thomas assumiu primeiro títulos secundários da Marvel, como os X-Men, em 1965, mas logo pôs as mãos nos Vingadores, em 1967, e não parou mais, tornando-se
o escritor principal da Marvel no fim dos anos 1960.
Curiosamente, a chegada de Thomas à revista coincidiu com um breve
período de três ediçõesnas quais Gene Colan
foi substituído pelo artista britânico Barry Windsor-Smith, um
grande artista advindo da “escola” de Jack Kirby. Isso porque, na época, Colan
estava ocupado fazendo outros trabalhos para a Marvel, como algumas aventuras
dos Vingadores e do Capitão Marvel. Mas
logo o artista conseguiu endireitar a agenda e retornou a Daredevil, sua casa principal.
Roy Thomas e Gerry Conway
Karen Page descobre a identidade secreta do Demolidor.
Roy Thomas ficou por pouco tempo na
revista, afinal, tinha várias outras para escrever. Assim, só manteve o ritmo
das tramas já criadas por Lee. Amaior contribuição de
Thomas para o personagem foi encerrar o irritante “triângulo” entre Matt Murdock, Karen Page e Foggy Nelson.Definitivamente, Thomas
aproxima Matt e Karen, o que leva o herói a revelar sua identidade secretapara
ela na bombástica Daredevil 57, de 1969. Porém, a revelação é demais para a
cabeça da moça e Karen decide ir embora e deixar aquela vida para trás.
Este elemento cronológico terá muita importânciano
futuro do personagem.
Karen vai para a Califórnia e
inicia uma carreira como atriz, mas logo,
termina voltando à vida do Demolidor, embora nas
edições seguintes, ela fica bastante hesitante em relação a Matt e começa,
lentamente, a ser afastada da revista. Outro ponto de Thomas foi deixar mais
clara a posição de Murdock como advogado: já que Foggy Nelson era o Promotor Público de Nova York, Murdock assume o
cargo de Assessor Especial da Promotoria Pública.
O crossover com o Homem de Ferro.
No mais, Thomas passou a revista para as mãos do jovem Gerry Conway, de apenas 19 anos, a partir de Daredevil 72, de 1971. Conway era um garoto genial na qual Stan Lee
e Thomas viram tanto potencial que decidiram investir pesado nele para assumir
a principal revista da Marvel: o Homem-Aranha.Mas
antes disso, o jovem foi posto na condição de “teste” em outras revistas, como Captain America e Daredevil.
Karen Page e o Demolidor: mudança na dinâmica. Arte de Gene Colan.
A entrada de Conway no título já coincidiu com um crossover entre o Demolidor e o Homem de Ferro, numa trama de espionagem
envolvendo Nick Fury, a SHIELD, o Zodíaco
e a Madame Máscara, que transcorreu em Daredevil 72 a 74 e em The Invencible Iron-Man 34 a 36.
Esse período também coincidiu com um momento em que Gene Colandeixou de fazer as capas da revista, por causa de seus outros
afazeres na editora, e a artista Marie Severinassume
a função. Mas Colan permanecia fazendo a arte das histórias normalmente.
Como o plano era projetar Conway para assumirAmazing
Spider-Man, nada mais justo do que repetir a estratégia que
Stan Lee usou com John Romita: fazendo o Homem-Aranha fazer
uma participação especial emDaredevil 77,
que contou também com a participação especial do Namor.Foi uma oportunidade para Conway “brincar” um
pouco com o universo de Peter Parker, envolvendo até Mary Jane Watson e Gwen
Stacy.
A sequência de histórias de Conway mostra Foggy Nelson despontando como
um naturalcandidato ao Governo do Estado de Nova York ao
mesmo tempo em que passa a ser chantageado pelo vilanesco Sr. Klein.
A Viúva Negra chega à revista. Note o novo layout. Arte de Gil Kane.
Outro ponto importante é emDaredevil 81, quando a Viúva Negra é
introduzida à revista. Hoje mundialmente famosa pela interpretação de Scarlett Johanssonnos filmes dos Vingadores, a personagem havia sido criada
por Stan Lee, Don Rico e Don Heck em Tales of Suspense 52, de 1964, numa aventura do
Homem de Ferro. Inicialmente, uma vilã à serviço da União Sovética, ela termina
se arrependendo de seus crimes e deserdando, tornando-se namorada do vingador Gavião Arqueiro e virando membro não-oficial dos
Vingadores por um tempo.
Em 1970, a Viúva Negra
ganhou umvisual totalmente repaginado criado por John Romita e estreando na revista Amazing Spider-Man 86. Era uma maneira de
reintroduzi-la ao grande público para que ela tivesse suas aventuras próprias publicadas na revista Amazing Adventures durante um tempo. Esta aparição
emDaredevil se daria logo após o fim de suas
aventuras solo.
A Viúva Negra dos cinemas por Scarlett Johansson.
O motivo da inclusão da Viúva Negra eradar uma renovada no
título. Desde a saída de Stan Lee da revista,Daredevilvendia cada vez menos. Por um tempo, Stan Lee
cogitou voltar à velha tática de unir heróis que vendiam pouco em uma mesma
revista e foi por isso que ocorreu aquele crossover entre o Homem de Ferro e o Demolidor. Era um teste para
ver como os dois heróis funcionavam na mesma revista, já
que se planejava uni-los no mesmo título (com histórias separadas). A mudança
chegou mesmo a ser anunciada nas revistas,
mas nunca ocorreu. A introdução da Viúva Negra aumentou mesmo o interesse do público e Daredevil voltou a crescer nas vendas.
Na trama de Conway e Colan, enquanto luta contra o Coruja, o Demolidor despenca de um helicóptero nos
céus de Nova York e cai no rio Hudson. Desacordado
pelo impacto, ele é salvo pela Viúva Negra, que
presenciou sua queda e se une a ele na luta contra o vilão. Um detalhe para
aqueles que gostam: nesta ocasião, o homem sem medo perde seus bastões originais, que usava desde o
começo de sua carreira como combatente ao crime. A arma termina perdida no
fundo da baía de Hudson e, na edição 82, o
herói constrói um novo dispositivo para ele.
A primeira aparição do novo visual criado por John Romita, em 1970.
Além disso,Daredevil 81marca o momento em
que o artistaGil Kaneassume as capas do
Demolidor, função que exercerá na maior parte dos anos 1970. Como já escrito,
naquele tempo, na Marvel, apenas um pequeno punhado de ilustradores faziam as
capas das revistas, como Kane, John Romita, John Bsucema e alguns outros.
Com a introdução da Viúva Negra no título, cada vez mais há uma
aproximação entre ela e o Demolidor, de modo que Karen Page é deixada cada vez mais de lado. Daredevil 85 marca um ponto
de virada, quando a Viúva Negra é acusada de assassinato e
Matt Murdock parte para defendê-la. Isso cria uma grande tensão entre ele e Foggy Nelson – o
encarregado de acusá-la, como Promotor Público – de modo que Murdock abdica de seu cargo de Assessor Especial da PP
para defendê-la.
Um pequeno desentendimento da dupla, na arte de Gene Colan.
No número seguinte, Natasha Romanov é inocentada, mas
o estrago está feito. Foggy Nelsonpede demissão do
cargo de PP por causa da chantagem que recebeu. Matt e Karen anunciam oseu noivado (para tristeza de Natasha), mas antes
do fim da edição eles já rompem. Assim,
enquanto Karen se muda definitivamente para a Califórnia, Matt decide ir embora de Nova York e se instalar em San Francisco (também na Califórnia), levando a
Viúva Negra com ele.
A Fase em San Francisco
Fase de San Francisco (veja a Goldengate ao fundo) na arte de Gil Kane.
Foi de Gerry Conway a ideia de mudar
o Demolidor para San Francisco, depois de passar férias na cidade. A mudança
tinha bons efeitos de vários tipos: aproximava (um pouquinho) os heróis da
Marvel daCosta Oeste (já que todos eles estavam baseados em
Nova York) e também servia para descentralizar o
papel de NY nas revistas. Além disso, San Francico era o lar-maior do movimento hippie e dacontracultura dos
EUA (sexo, drogas e rock and roll) e jovens como Conway e Roy Thomas (que na
prática servia como editor da revista) eram bastante afeitos à ideia.
A chegada de Matt Murdock e Natasha Romanov (juntamente a Ivan Petrovitch, o “guardião” dela) em San
Francisco abriu o leque para uma série de situações inusitadas na vida do
Demolidor e, também, à introdução de uma série de personagens coadjuvantes
novos, como o Comissário de Polícia O’Harra e Danny French.
No campo das ameaças, contudo, a mudança de costa não resultou em novos
vilões: nos primeiros números pós-Daredevil 87, Conway e Colan fazem o homem sem medo enfrentar
os mesmos inimigos de sempre: Electro, Killgrave, o
Homem-Púrpura e o Sr. Medo.
Uma mudança que realmente ocorreu foi no título da
revista, que se tornou oficialmenteDaredevil & Black Widow a partir do número 92, de 1972.
Nesta altura, Gerry Conway já estava efetivamente escrevendoAmazing Spider-Man (com desenhos de John Romita)
e, logo, também assumiria o Quarteto Fantástico, se
tornando um dosprincipais escritores da
Marvel. Assim, seu tempo numa revista secundária como Daredevil estava acabando. Não custa lembrar, foi
Conway quem criou a clássica história A Noite em Que Gwen Stacy
Morreu, a melhor de todas do Homem-Aranha, que cumpre a promessa de eliminar a
namorada do herói.
A Viúva Negra na bela arte de Gene Colan.
Além disso, o editor de Daredevil,Roy Thomas assumiu o cargo deEditor-Chefe no mesmo período, enquanto Stan Lee era promovido a Publisher da Marvel. John Romitafoi oficializado como Diretor de Arte. A partir daqui, a Marvel teria
uma vida editorial mais organizada e definida. No caso de Daredevil,Thomas continuou sendo o editor responsável e Gil Kane passou a fazer quase todas as capas dali para
frente, independente de quem fosse o artista da história em seu interior.
Capa de Daredevil 100, por Marie Severin.
Conway começou a passar o bastão para Steve Gerber em Daredevil 97,de 1973, quando o primeiro passa a escrever apenas a
premissa da história e o segundo assume a finalização e os diálogos. Gerber se
tornaria o escritor oficial da revista a partir do número 100.
Antes disso, Daredevil 99 faz uma importante conexão com Avengers 111(escrita por Steve Englehart e desenhada
por Don Heck) na qual o Demolidor e a Viúva Negra se aliam aosVingadores. No fim da trama desta última, a Viúva Negra
decide se tornar membro fixo da equipe, para mostrar que
tem uma vida independente do Demolidor. O estopim é
porque, emDaredevil 99, o Gavião Arqueiro (ex-namorado
da moça) vai a San Francisco tirar satisfações e termina se envolvendo numa
briga com o homem sem medo.
Daredevil 100 termina
sendo umfechamento de ciclo já que, com Steve Gerber assumindo os roteiros, o desenhista Gene Colan decide sair da revista. Até ali, Colan
tinha vivenciado uma temrporada praticamente ininterrupta no Demolidor por sete anos!O artista estava cansado do personagem e
queria novos desafios. Além disso, ele já tinha começado a trabalhar em The Tomb of Dracula, uma revista de
terror da Marvel protagonizada pelo príncipe dos vampiros. Este trabalho seria
outro dos mais importantes da década e outra “assinatura” de Colan.
Ainda assim, Colan desenharia outras 10 edições de Daredevil até 1979, mas sempre de modo apenas
casual, substituindo outros artistas.
Troca de cadeiras
A edição 124 traz a chegada de Marv Wolfman e o fim da parceria com a
Viúva Negra. Arte de Gil Kane.
O restante dos anos 1970 não foram muito promissores para o Demolidor na
maior parte do tempo. A ligeira subida nas vendas da fase Conway não se manteve
e começou a decair de modo ininterrupto ao longo dos
anos. Para piorar, os artistas e escritores seguintes não conseguiram imprimir
muita vontade no Demolidor.
A fase de Steve Gerber iniciada naedição 100 demorou sete edições para encontrar um desenhista fixo, na figura de Bob Brown (que já tinha cuidado da revista dos
Defensores). Brown seria o artista da revista por quase 40 edições,uma temporada só mais curta do que a
de Colan. Gerber por sua vez ficaria por 19 edições, dando
lugar a Tony Isabella em Daredevil 119. Este escritor, contudo, sequer
esquentou a cadeira, o editor Roy Thomas não aprovou a abordagem de Isabella ao
personagem e o substituiu por Marv Wolfman a
partir de Daredevil 124, de 1975.
Marv Wolfman era um dos editores da Marvel e, no futuro, seria um dos mais importantes escritores dos quadrinhos
(principalmente na DC Comics). Mas naquele momento, ainda estava desenvolvendo
suas habilidades. Ao mesmo tempo, não conseguia imprimir um ritmo próprio ao
Demolidor, coisa que nenhum escritor conseguira desde Lee. Ainda assim, sua
fase foi mais importante do que as imediatamente anteriores. Também é
importante frisar que Roy Thomas deixou
de ser o Editor-Chefe da Marvel nessa mesma época, deixando também a editoria
da revista Daredevil que tinha desde por volta do número 90. Marv Wolfman seria não somente o escritor da
revista, mas também seu editor.
O Mercenário faz sua estreia. Principal vilão. Arte de Rick Buckler e
John Romita.
Em primeiro lugar, logo na primeira edição, Wolfmanencerra de vez a parceria do
Demolidor com a Viúva Negra. Desde a edição 108 a revista não tinha mais o subtítulo …& Black Widow,mas a personagem continuava como
recorrente nas histórias (mesmo também fazendo parte dos Vingadores). Contudo,
Wolfman tratou de afastá-la imediatamente e, não
somente isso, trouxe Matt Murdock de volta para Nova York e
a Cozinha do Inferno.Daredevil 124 foi, assim, a última edição a ter a figura da
Viúva Negra no lado direito do logo. E por fim, mais uma curiosidade: o editor Len Wein, entãoEditor-Chefe da
Marvel, coescreveu esta edição em parceira com Wolfman.
Outro importante movimento de Wolfman no título foi criar uma nova namorada para Matt Murdock: Heather Glenn,que estreou em Daredevil 126. Boa parte da
temporada de 20 edições do escritor na
revista girou em torno da dramática trama
entre Matt e Heather: ela era uma socialite de
NY e pôs Murdock em contato com um mundo com o qual só tinha flertado até
então. O escritor dotou a personagem de uma personalidade cativante, embora
fosse emocionalmente frágil. Heather financiaria, por um tempo, as atividades de Nelson
e Murdock, ao mesmo tempo em que o pai dela, Maxwell Glenn, estava
envolvido em um grande esquema de crimes.
A estreia de Heather Glenn, por Wolfman e Brown.
Naquela mesma edição em que criou Heather, Wolfman também introduziu oPromotor Blake Tower, o sucessor de Foggy Nelson
na PP. Tower seria um personagem coadjuvante de certo destaque na Marvel,
aparecendo na revista de vários heróis, como Capitão América, Homem-Aranha
e Mulher-Hulk.
Por fim, Wolfman também criou o vilão Mercenário (Bullseye,
no original), que apareceu em Daredevil 131, de 1976, e no
futuro breve se tornaria o principal inimigo físico
do Demolidor, substituindo velhas figuras como Coruja, Sr. Medo e Gladiador. O
visual do Mercenário foi criado por John Romita, embora
as revistas continuassem a ser desenhadas por Bob Brown. O Mercenário teria
constantes aparições na revista dali em diante.
O Demolidor na arte de Bob Brown.
A temporada de Wolfman e Brown se encerra na edição 143, de 1977. Os dois
saíram juntos, mas por motivos diferentes. Wolfman estava insatisfeito com seu próprio trabalho, ao mesmo
tempo em que se tornara o Editor-Chefe da
Marvel no ano anterior, ficando sobrecarregado de trabalho. Por fim, Wolfman
assumiu a revista Amazing Spider-Man do Homem-Aranha e decidiu abdicar do Demolidor. Já Bob Brown estava gravemente doente com leucemia e morreria naquele mesmo ano.
Quem assumiu Daredevil na edição 144 foi o escritor Jim Shooter, ao lado do desenhista Gil Kane. Shooter tinha apenas 25 anos, mas era um experiente escritor de quadrinhos: ele começou fazendo
roteiros para a revista da Legião dos Super-Heróis, da DC Comics, aos 13 anos
de idade! O menino enviava os roteiros pelos correios e demorou meses para a DC
perceber a idade dele! Mesmo assim, a revista fez um sucesso enorme nas mãos
dele no fim dos anos 1960. Depois, de formar no Ensino Médio, Shooter se
afastou um pouco das revistas, mas retornou em meados dos anos 1970. Ele teria
um grande futuro na Marvel, como veremos a seguir.
Capa com arte de Gil Kane: agora nas histórias também.
Já Gil Kane era um veterano
artista da Era de Prata, cocriador do Lanterna Verde Hal Jordan na DC Comics.
Depois de anos fazendo as revistas daquele herói, do Batman e do Superman, Kane
migrou para a Marvel no fim dos anos 1960, trabalhando noHulk e no Homem-Aranha. Na
década de 1970, se tornou um dos célebre artistas quefaziam as
capas das revistas da Marvel. Curiosamente, Kane tinha
desenhado a maioria das capas da revista
Daredevil desde o número 80, mas nunca tinha desenhado uma história do personagem
(!) até aquelaedição 144.
Shooter era um escritor habilidoso e
a fase dele com Kane se inicia dando sequência ao arco de histórias envolvendo
os crimes deMaxwell Glenn, o pai de Heather. Em Daredevil 147,o empresário é preso, mas o Demolidor termina descobrindo que
cometeu todos os seus crimes porque estava sob o controle mental de Killgrave, o Homem-Púrpura.
Na comemorativa Daredevil 150, de 1977,enquanto
Shooter e o desenhista especialmente convidado Carmine
Infantino introduzem o mercenário de aluguel Paladino, Maxwell Glenn não consegue lidar com a
culpa pelos crimes que cometeu e termina por cometer suicídio.Antes
de saber disso, Matt Murdock decide contar a Hearther que
ele é o Demolidor e, por causa de seus poderes, sabe que o pai dela é inocente.
Porém, na edição 151,(novamente com Kane na
arte) ao saber de tudo, ela termina culpando o herói pelo
destino do pai e desaparece.
Esses trágicos eventos encerram a curta temporada de Shooter na revista.
O escritor também escrevia a revista dos Vingadores e,
naquele ano, assumiu o cargo de Editor-Chefe da
Marvel, ficando sem tempo para se dedicar ao Demolidor. Seu lugar na revista
foi ocupado por Roger McKensie, a partir daedição 152.
Ao mesmo tempo, as vendas da
revistaDaredevil caíam vertiginosamente, mesmo
que vivesse uma boa fase. Mas como é o mercado quem manda, Darevevil se tornou um título bimestral a partir da edição 147.
O Início de uma Era Sombria
Demolidor versus Viúva Negra na arte de Gene Colan. Despedida.
Aproveitando a pegada de Jim Shooter, Roger McKensie –
que também escrevia a revista do Capitão América – decidiu dar uma ambientação mais sombria à série do Demolidor.
Embora tenha envolvido o personagem num arco com os Vingadores – ao longo das edições 153 e 156(o que serviu para trazer a Viúva Negra de volta à revista por um breve
momento) – a maior parte das tramas envolvia uma ambientação mais mundana, com
o homem sem medo usando os criminosos comuns como informantes e combatendo um
vilão assustador chamado Death-Stalker (que
tinha sido criado lá atrás por Stan Lee e Gene Colan em Daredevil 39, mas nunca
tinha sido tão bem usado).
O que prejudicou parte da temporada de McKensie foi a ausência de um artista fixo. Vários desenhistas
passaram na revista, inclusive o clássico Gene Colan, que
fez algumas edições.
Foi McKensie e Colan quem criaram o repórter do Clarim Diário Ben Urich, em Daredevil 153,que
se tornaria rapidamente um dos personagens coadjuvantes mais importantes do
universo do Demolidor e que, como grande investigador, logo, deduziria a identidade
secreta do herói, passando a agir como um forte aliado.
A chegada de Frank Miller
A estreia de Frank Miller, inclusive na capa!
A grande virada na vida do Demolidor veio com a
chegada de Frank Miller no título.
Inicialmente apenas como desenhista,logo,
assumiria os roteiros também e transformaria Daredevil não
apenas em umfenômeno de vendas, mas numa revista cult,
sombria, violenta e fascinante. Seria Miller quem definiria a personalidadeconturbada e complexa de Matt
Murdock e daria uma “cara” própria a todo o universo ao seu redor. Um
verdadeira revolução nos quadrinhos.
Miller estreou na Marvel em pequenas participações e tirou a sorte
grande ao desenhar uma edição de Spectacular Spider-Man 27, de 1979, apenas para cobrir as férias do artista
regular. Aquele número trazia um encontro do Homem-Aranhacom o
Demolidor e o editor Dennis O’Neil,responsável
pelo Demolidor, achou que ele faria um bom trabalho no homem sem medo. Ao mesmo
tempo, apesar da pouca inexperiência, Miller sequer era uma aposta arriscada,
já que a revista Daredevil tinha vendas cada vez mais
baixas e a Marvel começava a considerar simplesmente cancelá-la.
A dinâmica arte de Miller na capa da edição 161.
Frank Miller estreou como desenhista emDaredevil 158, de 1979, com
textos de Roger McKensie, e encerrando o arco doDeath-Stalker, que
morre nessa edição. Curiosamente, diferente das épocas passadas, o artista
estreante também passa a fazer as capas da revista.
Em seguida, a dupla embarca em um longo arco no qual há mais uma batalha
entre o Demolidor e o Mercenário, com
a participação da Viúva Negra, passando entre as edições 159 e 162. Em Daredevil 164, de 1980, McKensie e Miller mostram o repórter Ben
Urich descobrindo a identidade secreta do homem sem medo
e, ao confrontá-lo, Murdock simplesmente lhe conta tudo, sendo uma oportunidade
para revisitar a origem e a carreira do herói.
A despeito das vendas ainda baixas, a Marvel parecia querer investir emDaredevil, que
ganhou um novo logotipocriado por Miller na edição 166. Nesta edição também ocorre o casamento de Foggy Nelson e Deborah Harris, sua
namorada quase desde sempre. Esta também foi a última edição assinada por Roger
McKensie. O número 167 trouxe David Michellinie (que vinha do Homem de Ferro e
dos Vingadores), mas já na edição seguinte Frank Miller assume os roteiros e os desenhos e iniciaria uma
das mais importantes temporadas da história dos quadrinhos e uma verdadeira
revolução na nona arte.
Revolução nos Quadrinhos
Frank MIller assume os roteiros e revoluciona os quadrinhos.
Até então, apesar de algumas histórias muito legais, bons conceitos e incontáveis grandes artistas, o
Demolidor e sua revista eram unidades secundárias da
Marvel. Jamais conhecido ou querido como o Homem-Aranha, Hulk ou os
Vingadores. Bom, talvez ainda hoje ele não seja tão
mundialmente conhecido quanto estes, porém, a partir do momento em queFrank Miller assumiu a escrita e a arte da
revista, sem dúvidas o homem sem medo se tornou tão
importante quanto esses outros e liderou uma revolução nos quadrinhos, na medida em que suas
histórias se tornaram sombrias, violentas, inteligentes, ousadas, radicais e
incrivelmente boas. Seu trabalho pioneiro é a pedra fundamental sobre a qual se
construiria a Era Sombriados Quadrinhos, uma fase
em que as HQ se tornaram mais adultas e que foram a tônica dos anos 1980 e
1990, principalmente.
Assumindo a partir de Daredevil 168, de1981, Frank
Miller provocou grandes mudanças na vida de
Matt Murdock, de sua revista e da indústria de quadrinhos. Para começar, impôs
um regime diferente a Daredevil e seu
universo: afastou o personagem do fantasioso universo Marvel e criou uma abordagem mais realista. Assim, os velhos vilões
(Sr. Medo, Homem-Púrpura, Coruja) desapareceram por completo (à exceção do
Mercenário), assim como os refugos de vilões do Homem-Aranha (Elektro, Kraven,
Dr. Octopus…). Até os personagem coadjuvantes da revista desapareceram,
permanecendo praticamente apenas o repórter Ben Urich, com Foggy Nelson
aparecendo apenas ocasionalmente.
A arte de Miller: cinematográfica.
Agora, o Demolidorcombatia a escoria das ruas: pequenos
bandidos, gangues, o crime organizado… E para dar um ar de HQ um novo grupo deninjas chamadoTentáculo. Matt
Murdock se tornou mais conturbado e o mundo ao
seu redor fico mais sombrio e assustador. Também é precisoelogiar a arte de Miller. Embora não fosse um
grande artista de fisionomias ou muito preciso quanto a anatomia, compensava
isso com uma grande dinâmica, senso de movimento e
uma abordagem cinematográfica, abusando de ângulos
sensacionais, dividindo os quadros das páginas de maneira criativa e abolindo
os balões de pensamento e utilizando os recordatórios como um modo do próprio
personagem narrar a história.
Demolidor versus Justiceiro em Daredevil 183: coreografias de Miller.
Outro ponto a destacar são as incríveis cenas de luta que
Miller criava na revista. Poucos desenhistas foram tão habilidosos neste
quesito como ele. Toda a sua temporada como escritor/desenhista é recheada de batalhas coreografadas sensacionais.
A resposta do público foi exemplar: bastaram apenas
três edições para que Daredevil voltasse
a ser uma revista mensal e, em pouco
tempo, já era uma das mais vendidas da
Marvel, batendo frente à frente com Homem-Aranha e X-Men.
Elektra e o Demolidor: arte de Frank Miller.
Já em Daredevil 168Miller introduz
uma personagem que abalaria as estruturas da revista: a mercenária assassinaElektra Natchios. Por meio de um longo flashback
descobrimos que a moça grega, filha do Embaixador de seu país, foi um grande amor do passado de Matt Murdock, com os
dois namorando na época da faculdade de Direito. Mas após o pai dela ser
assassinado por bandidos, ela vai embora e desaparece. Agora, o Demolidor a
encontra como a principal agente do submundo.
Mexer no passado do Demolidor virou uma
regra para Miller: não apenas Elektra foi incluída retroativamente à sua vida, mas também inúmeros
elementos novos de sua origem. Aproveitando que Stan Lee tinha contato que
Murdock ganhou suas habilidades ainda adolescente e que só adulto – já como
advogado atuante – é que se tornou o Demolidor, o escritor/artista tratou de
preencher esse espaço com o seu treinamento. Assim, criou a figura de Stick, um misterioso cego que também tinha
habilidades incríveis e treinou o herói nas artes marciais e no uso de seus
poderes.
Nem tudo são flores entre amantes…
E Miller quebrou a regra de não usar mais vilões do Homem-Aranha uma
vez, mas de modo genial, transformando Wilson Fisk, o Rei do Crime, no
maior de todos os oponentes do Demolidor. Ora, se agora o homem sem medo se
volta contra o crime organizado, que melhor oponente do que aquele cara que
comanda o submundo da Costa Leste?
O Rei do Crime tinha sido criado por Stan Lee e John Romita em Amazing Spider-Man 50, de 1967. Embora tenha sido um importante inimigo do Homem-Aranha no fim dos anos 1960, os roteiristas
posteriores não souberam fazer uso do personagem e Wilson Fisk praticamente
caiu no esquecimento. Apenas fez algumas aparições como oponente do Capitão
América num arco de histórias de 1972. Ele chegou a aparecer algumas vezes na
revista do teioso, mas nunca com o mesmo brilho de antes.
Frank Miller transformou Wilson Fisk no mais
“fodão” dos chefes criminosos. Um sujeito frio e genial, que
comandava o crime – e a cidade! – com mão de ferro. E quem melhor do que um
advogado que combate o crime com as próprias mãos para ser seu oponente mais
ferrenho?
Miller exigiu de todos os personagens: o Demolidor precisava lidar com
seus demônios internos (seu pai é
mostrado como alguém violento, que batia nele!) e tentar “salvar” Elektra,
apresentada agora como seu grande amor. Elektra, por sua
vez, ficou “tocada” ao descobrir que Matt agora era um combatente do crime e
fica dividida entre ser uma má ou uma boa pessoa. E o Rei do Crime pensa seriamente em se aposentar de
suas atividades criminosas e seus próprios comandados armam um plano para
sequestrar a esposa dele, Vanessa, para
forçá-lo a se manter no comando, o que traz sérias consequências à saúde mental
dela.
A vingança do Demolidor contra o Mercenário.
Claro que tudo tinha que terminar em tragédia: em Daredevil 181,de 1982, Elektra é morta peloMercenário. Na
trama, após se desligar da organização de Wilson Fisk, este para lhe dar uma
lição, contrata o Mercenário para eliminá-la, o que ele faz. Um Demolidor
ensandecido de ódio e vingança vai atrás do vilão e – para surpresa dos
leitores – simplesmente joga o Mercenáriode cima de um prédio! Edições
seguintes mostrarão que ele não morre, mas fica paraplégico.
Como se isso não fosse o suficiente, em Daredevil 191, de1983, o Demolidor “visita” o Mercenário no
hospital e, numconto assustador, “brinca” deroleta russa com ele. A arma está totalmente
descarregada, mas o vilão não sabe disso!
A temporada de Frank Miller, claro, transformou o artista emuma estrela e ele produziu, portanto, várias
outras edições especiais para a Marvel, como do Homem-Aranha e do Capitão
América. Destaque para a minissérie Wolverine, escrita por Chris Claremont e desenhada por
Miller, com a primeira aventura do membro dos X-Men que se tornava cada vez
mais popular. A história é até hoje uma das melhores do personagem. Talvez por
causa desses outros trabalhos, Miller gradativamente foi passando a arte de
Daredevil para o arte-finalista Klaus Janson. AS
últimas seis edições daquela fase tiveram apenas o layout de Miller, na qual
Janson produziu ele mesmo os desenhos.
Como tudo o que é bom acaba, Miller encerrou sua passagem na edição 191, após dois anos maravilhosos em Daredevil. Esta última edição, mostra que Elektra foi ressuscitada pelo Tentáculo, mas a ideia era
deixá-la “escondida”, já que a ex-assassina embarca em uma jornada de
autoconhecimento isolada no Himalaia.
Miller produziria nos anos seguintes duas histórias focadas nela, por
meio da sensacional série de graphics novels publicadas
pela Marvel na segunda metade dos anos 1980: Elektra
Assassina e Elektra Vive.
Fonte: HQ ROCK
Maurilio Silva
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